“Quer crianças criativas, curiosas, mais saudáveis e com as habilidades necessárias para o século XXI? Deixe-as brincar”. Foi essa frase que apareceu hoje cedo na minha timeline do Facebook e me fez parar para escrever este artigo. Como mãe, estou sempre me questionando se estou fazendo o melhor para meus filhos. Como médica que estuda desenvolvimento infantil e neurociências, sempre estou em busca de evidências científicas para discutir alternativas e possibilidades de ajustes no dia a dia das crianças que me procuram com problemas de comunicação e problemas na escola. E nada poderia ser mais alentador nesse cenário que a recomendação mais recente da Academia Americana de Pediatria (AAP, links aqui e aqui).
O primeiro link que postei, intitulado “The Power of Play: A Pediatric Role in Enhancing Development in Young Children”, começa comentando como uma mudança na legislação norte-americana mudou os rumos da educação infantil nos Estados Unidos – e quais más repercussões no desenvolvimento da criança isso é capaz de trazer. Quando se valoriza habilidades pré-matemáticas e pré-alfabetização na educação infantil, necessariamente se reduz o tempo de brincar dessas crianças. Precisamos sempre nos lembrar de que o tempo é finito, um conceito que parece bobo, mas quando direcionamos o tempo das nossas crianças para habilidades acadêmicas certamente estamos reduzindo seu tempo livre. O termo playful learning, que gosto de traduzir como “aprendizado na brincadeira”, é responsável entre outras coisas pelo desenvolvimento de habilidades sociais o que ensina a criança a prestar atenção ativamente, resolver disputas e a desenvolver foco em atividades sem necessidade de supervisão constante. Parece muito interessante, não? Além disso, estudos mostraram que ensino precoce de matemática na educação infantil mostraram praticamente não haver ganho em habilidades matemáticas mais tarde durante o ensino fundamental.
Mas, afinal de contas, o que é brincar? Mesmo para os especialistas, essa é uma definição difícil. Entretanto, há um consenso crescente de que deve ser uma atividade motivada pelos próprios interesses da criança, que leve a um engajamento ativo e resulte em descobertas repletas de alegria. Brincar deve ser voluntário e sem objetivos extrínsecos associados, divertido e espontâneo. O brincar ajuda na preparação para a escola pois colabora na formação de funções cerebrais executivas e na criatividade – uma criança entediada não aprende bem. O texto da AAP cita também os quatro pilares do aprendizado criativo: projetos, paixão, amigos e brincar. Essas habilidades são consideradas fundamentais para o bom crescimento de uma criança com as habilidades que dela são esperadas no século XXI, entre elas resolução de problemas, colaboração e criatividade.
Se brincar é tão importante, por que nossas crianças estão brincando cada vez menos? Dados dos Estados Unidos apontam par a uma redução de 25% no tempo de brincar entre os anos de 1981 e 1997. 30% das crianças do kindergarten de lá (o que seria equivalente ao nosso G2-G3 ou G4 dependendo da escola) não tem tempo livre na escola. Em palavras de pessoas da minha geração, essas crianças não têm recreio. Além disso, a média de tempo de uma criança em idade pré-escolar assistindo televisão ou na frente de uma tela é de 4,5 horas por dia. A Academia Americana de Pediatria é categórica: nós, médicos, devemos prescrever temp0 para brincar para essas crianças. Isso mesmo, na receita médica, devemos escrever: tempo livre brincando.
Os motivos pelos quais as crianças brincam cada vez menos são bem complexos, eu sei por experiência própria. Pais que trabalham, famílias que não moram perto, poucas crianças em cada família, além da necessidade social da criança fazer alguma “atividade”. Encontrar esse equilíbrio não é tarefa fácil. Uma saída é valorizar mais as escolas que têm como projeto educacional o brincar livre, a exploração sem intervenção. Cobrar das autoridades públicas espaços de convivência seguros e adequados para nossas crianças. E brincar, brincar com as crianças, chamar os amigos para brincar em casa, promover encontros entre as crianças (o brincar social a partir dos 3 anos é fundamental para o aprendizado de regras, troca de turnos, compartilhamento, entre outras habilidades fundamentais na vida adulta). Vamos lá?